O resultado final foi um 234º lugar da geral com o tempo de 3h51:45, mas a noite foi cheia de peripécias, conforme podem ler na sua crónica.
Recentemente, completei o meu primeiro ano de trail e olhando para trás, corri mais do que acreditava que era capaz, em sítios que não pensava ser possível correr, conheci pessoas extraordinárias. Para mim foi sempre a primeira participação em provas que já iam na quarta ou quinta edição e pude aconselhar-me bastante antes de me inscrever em mais um desafio. Gosto de novos desafios, mas recentemente falei com várias pessoas acerca do Trail Noturno da Lagoa de Óbidos, que ainda tinha muitas paisagens para ver antes de me meter numa prova noturna onde não se vê nada a não ser o que o meu frontal ilumina. Rejeitei essa ideia até à chamada do amigo Vasco Magalhães, um atleta que conheci num momento em que ambos nos lesionámos nos Abutres. Ora bem, ele chamou-me e eu aceitei o desafio, mesmo tendo já entrado de férias nos treinos há umas 2-3 semanas.
A chegada a Óbidos foi o momento de ser muito bem recebido pelos “patrões” Lina e Lélio e cumprimentar os muitos amigos que por ali estavam. A seguir a levantar o dorsal, comer um pão com chouriço e pensar em equipar-me para a corrida. Pânico! Apesar de ter a mochila com a comida e bebida para a prova, só tinha as sapatilhas de correr e a roupa que tinha vestida. Voltei ao stand da Green Roc para comprar umas meias e sentir-me sortudo por estar vestido de calções e t-shirt e não de camisa e calças de ganga.
A partida simbólica foi num dos pontos mais altos da vila de Óbidos e percorremos debaixo de uma chuva miudinha as ruas escorregadias cheias de turistas e bancas de ginja. Depois foi a partida oficial e lá fomos nós a rolar por ali abaixo em ritmo de provas de estrada. Como sempre, a estratégia de poupança energética inicial foi-se… A primeira parte da prova foi na companhia da grande Liliana Simões, uma atleta que se estreou no trail há uns anos no UT da Serra da Freita e só isso diz tudo.
Como tinha consciência de não ter treinado o suficiente e do meu frontal não permitir grandes aventuras, decidi então ir com calma e muito muito atento. Apanhei então a Soraia Ferreira para uns quilómetros divertidos de conversa e depois foi a parte da Lagoa onde tranquei um ritmo e lá fui eu ganhar algumas posições e a sentir-me o maior do mundo. Depois do último abastecimento – m.a.r.a.v.i.l.h.o.s.o. – senti-me forte para atacar o fim da prova, mas aconteceu algo que me marcou imenso. Continuei a correr onde muitos iam já a caminhar mas percebi que um atleta não estava bem e perguntei-lhe como estava. Ele disse-me numa voz completamente arrastada “tudo bem, podes seguir…” olhei para ele estava quase de olhos fechados. Já tinha vomitado e estava claramente desidratado. Caminhei com ele, amparei-o várias vezes para não cair, expliquei-lhe o que lhe estava a acontecer, dei-lhe da minha bebida… Simplesmente não seria capaz de o largar ali e acabar a prova feliz da vida. Caminhámos juntos até aparecer um amigo dele que me garantiu que não o abandonaria. Despedimo-nos e ataquei a meta preocupado com o rapaz, mas de certa forma feliz por ter sido útil.
Depois de correr um bom bocado, faltariam uns 3km para o final e apanhei um grande grupo a caminhar num single track e foi impossível progredir mais depressa. Fomos ultrapassados por alguns atletas do top dos 50km – o Nuno Silva já tinha passado há muito… – e é incrível o ritmo e técnica destes “monstros” do trail. Destaco a simpatia do Délio Ferreira que mesmo a ter que passar por um grande grupo de “caminheiros” num single track fechadíssimo e a ser confundido com o Luís Mota por correr de vermelho e de cabelo rapado, mesmo assim agradecia às pessoas e dizia que não era o Mota.
A subida para o castelo foi a última parte do desafio. Senti-me bem e pude caminhar forte e ultrapassar alguns atletas na subida. A chegada foi muito bonita, com muitos aplausos e com um banquete final de primeira categoria. Foi tempo de “atestar o depósito”, ser felicitado e felicitar os outros, pôr conversas em dia e, por fim rumar a casa feliz da vida.
O tempo de prova não era muito importante para mim e continua a não ser. Sei que me senti bem e que, se tivesse chegado mais cedo, isso significava que tinha ignorado o sofrimento de outros e, portanto, não tinha dado o meu melhor.
PS: fiquei fã do trail noturno, mas não volto a fazê-lo sem um frontal daqueles a sério… é uma questão de segurança!